sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Tenho o direito de ser o João ou o Zé e não apenas o autista ou o surdo.


Em forma de pedido para 2016 vou explicar porque não defendo o uso do termo “deficiente” em pessoas com algum tipo de deficiência, incapacidade, limitação ou necessidade. Vezes demais, o oiço, até em contexto familiar, onde, no meu ponto de vista, devia ser o primeiro a suprimir rótulos diferenciadores. Eu prefiro chamar-lhe Pessoas com Necessidades Especiais (PcNE), porque necessidades temos todos, e especiais porque são nossas e portanto, únicas.

Remonta a 1994 a chamada de atenção da UNESCO relativamente a estas questões, reforçando que estas pessoas têm sido, por um tempo demasiado longo marcadas por uma sociedade que acentua mais os seus limites do que as suas potencialidades.

Infelizmente as representações sociais relativas a pessoas com diversidade funcional, são ainda muito redutoras. E pioram, sempre e cada vez que as apelidamos de “deficientes”, pois quase de imediato se instala a rotulagem e carrega-se o estigma.

Quer queiramos ou não, a forma como nos dirigimos às pessoas, seja em ambiente familiar ou social, identificando-as pelo problema ou patologia (o surdo, o cego, …), influencia a criação de representações e transporta uma conotação (quase sempre) negativa, que facilmente se traduz em baixas expectativas sociais.

Quando usarmos o termo “deficiente” estamos a valorizar mais o problema do que a pessoa, pois, se nos detivermos a analisar o seu significado no dicionário, percebemos que deficiente é sinónimo de “falho, imperfeito, incompleto”. Conhecem alguém perfeito? Eu não!!!

Se pensarmos bem, ouvimos quase diariamente todo o tipo de expressões redutoras:

– Acentuação baseada nas limitações: os incapazes, deficientes, aleijados …;

– Confusão das manifestações com a problemática: sofre de…, padece de…;

– Indução de sentimentos de pena: coitadinho…;

– Utilização de expressões agressivas: mongolóide, atrasado, tonto, …;

– Não menção à idade referindo-se a estas pessoas como se de um grupo homogéneo se tratasse: os meninos, bebés, …

No sentido de promovermos uma verdadeira inclusão, devemos ser capazes de analisar a nossa própria linguagem e perceber como ela carrega uma visão negativa e reducionista das PcNE. Caminhamos no sentido de dar enfoque à PESSOA que é tem uma incapacidade e que tem de forma natural, os mesmos direitos e deveres dos seus concidadãos.

Convivo muitas vezes, com a revolta de pais/mães que foram e viram os filhos/as serem vítimas de discriminação na sociedade que os devia acolher, mas onde as representações e imagens mentais ainda a primar pela lógica da homogeneidade, valorizam o que é igual e comum e colocam de lado a criança dita de diferente.

A mudança deste paradigma começa connosco. Começa na família e arrasta-se pela Escola, Centros de Reabilitação, Clínicas, Parques de diversão, Supermercados, Jardins etc. Vejam a diferença:

“O meu filho tem autismo e tem necessidades especiais de educação.”

ou

“O meu filho é deficiente.”

Sinceramente, qual das duas frases transporta uma imagem positiva e estruturante da incapacidade/deficiência, aos ouvidos de colegas, professores, amigos ou terapeutas? Não se trata de mascarar a problemática! Apenas permitir uma segunda oportunidade, um segundo olhar à pessoa e não apenas à deficiência.

José Manuel Alves assume-se como cego e foi meu professor na Escola Superior de Educação de Bragança, onde sempre defendeu que todos devemos ser capazes, ou ter pelo menos o direito, de realizar os nossos projetos de vida e isto só acontece quando o indivíduo é capaz de, através da interação com os seus iguais, realizar a sua diferença.

São esses valores que vale a pena defender.

Não sei o que se passa desse lado, mas eu continuo a defender que as limitações não definem a essência humana, todos somos diferentes e é essa diversidade que nos enriquece. Todos temos direito à identidade e à diferença (Rodrigues, 2002). As crianças/jovens/adultos com NE também. Têm o direito de ser o Francisco, o João, a Maria e não apenas o autista, o cego ou o surdo.

A mensagem que quero fazer passar é que, mais importante do que denunciar o que as PcNE não podem fazer, ou conjecturar sobre o que as diferencia dos outros, é exaltar as suas potencialidades como cidadãos, numa sociedade livre e democrática. Além de que, caracterizá-los pelas suas dificuldades, apesar de ser terrivelmente injusto, bloqueia a possibilidade de acesso a representações positivas que os orientem no processo de desenvolvimento numa perspectiva de educação para a cidadania. E se o fizerem, o seu processo de desenvolvimento e inclusão social pode estar seriamente comprometido.

A todos nós cabe lutar contra o preconceito. Para tal, é absolutamente necessário respeitar os direitos e deveres de cada um. E as PcNE apenas necessitam que se lhes proporcionem condições de desenvolvimento, interação, educação e experiências sociais idênticas aos seus pares. Otimizar a sua funcionalidade!

Por último, as famílias devem recordar que os filhos/as têm direitos e estão consagrados na legislação portuguesa, onde o Estado se compromete a “tomar medidas que promovam, protejam e garantam o gozo pleno e igual de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e se promova o respeito pela sua dignidade inerente”.

Meus amigos/as estas pessoas têm sobretudo o direito à sua identidade.

Que 2016 nos traga mais consciência.

Fonte: Livro Escola de Pais. NEE _ Guia de Formação Parental (Celmira C.M. Macedo, 2012, Edições Pedago)

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